Tuesday, November 17, 2015

SOBRE CORRER

Da margem do Lago Léman*

Nunca gostei muito de correr.
Os meus primeiros sentimentos sobre a corrida remontam a algures entre 1995 e 1997, quando a minha Tia morava connosco em Inglaterra e tentava convencer-me, com 10 ou 11 anos, a ir correr com ela. Abafava. Desistia ao fim de 2 minutos e fazia de tudo para terminar aquele tormento.

Na escola secundária, odiava o teste de Cooper, aquele em que tínhamos 12 minutos para dar o máximo de voltas ao campo que conseguissemos. Era um pesadelo. Se tivesse uma missão, como no corta-mato, em que tínhamos de ir orientando a carta e descobrindo o trilho, quase me esquecia que tinha que correr, e a coisa corria bem. Uma vez, depois de enjoar da viagem e de vomitar atrás de um caixote do lixo pouco antes da partida, ainda consegui ganhar uns campeonatos regionais. Mas fiquei-me por aí. Correr não era mesmo para mim.

Lembro-me de me resignar, num daqueles exercícios existenciais, com a certeza de que nunca correria uma maratona na vida. Ou que subiria montanhas como o Evereste. (Para que conste, ainda não fiz nem um nem outro, mas já começo a duvidar desse tipo de exercícios existenciais.)


Da margem do Lago Léman*

Mas um dia, mais por teimosia do que por gosto, decidi desafiar essa minha limitação. Mesmo em relativamente boa condição física, correr 5km parecia um grande feito. Sabia, da natação, que é uma questão de começar a ultrapassar barreiras e depois, por muito que custe, a insatisfação de ficar aquém da barreira vai-nos motivando a ultrapassar todos os sentimentos negativos.

No ano passado corri 10km. Corri em duas corridas de São Silvestre com um ritmo de 10km/h; ritmo de principiante, mas uma superação para mim, ainda assim. Que é o que importa nestas coisas, pelo menos no que me diz respeito. Não é ganhar, ou fazer melhor do que os outros, mas sim ganhar-me a mim própria.

Da margem do Lago Léman*

Mesmo assim, nunca consegui gostar de correr. Gosto do sentimento de conquista. Gosto da sensação no final. Há certos momentos, muito instantâneos, em que me abstraio enquanto corro e sinto uma espécie de liberdade. Nem sei explicar muito bem. Lembro-me da primeira vez que corri 8km. Chovia a cântaros em Braga. Chovia tanto que os túneis entupiram e a cidade ficou inundada. Eu fiquei encharcada e as minhas sapatilhas demoraram vários dias a secar. Mas o que mais me ficou foi a sensação de êxtase, de relaxe total no final, como se a chuva [momento cliché do dia] me lavasse a alma.

Ultimamente tenho lido algumas coisas sobre o que as pessoas pensam sobre e enquanto correm. Fiquei contente por saber que todos aqueles sentimentos negativos e contorcidos não são só meus. Mas fiquei curiosa ao ler sobre o runner's high, sobre o vício que se instala, sobre os pensamentos que vêm quando se consegue abstrair de toda a negatividade e desencorajamento.

Continuarei a correr, mesmo que todas as vezes tenha que me pontapear para fora de casa. Corro atrás de todas estas coisas que li, corro atrás do momento em que me apropriarei delas. Pelo meio, se correr uma meia-maratona ou, no limite, uma maratona, serão conquistadas com orgulho. Mas nestas coisas, acho que o que importa é mesmo o processo.

Talvez faça um diário, talvez não. Veremos.

What we think about when we run
On running
Think aloud: An examination of distance runners' thought processes

Quero ler:
What I talk about when I talk about running - Haruki Murakami (ler esta entrevista)
Poverty Creek Journal - Thomas Gardner
The loneliness of the long distance runner - Alan Sillitoe

*O meu novo spot de corrida, nas margens do Lago Léman, tem estas vistas. Tirei as fotos durante a minha última corrida, no Domingo. Depois de alguns anos a tentar correr em Braga e a queixar-me constantemente (desculpas...) de não ter espaço verde q.b., agora é que não há mesmo desculpas.

3 comments:

andorinha said...
This comment has been removed by the author.
andorinha said...

Como me revejo nestas palavras. Sou exactamente igual, caramba. Mas cá estou para ler essas crónicas de corrida. E aproveito para invejar a vista maravilhosa da tua corrida.

Joana Maria said...

Olá Andorinha. Obrigada! Vou tentar ser consistente na partilha :) Um beijinho grande para ti e para a tua Sofia*